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“Onde encontro material sobre anglicanismo?”

Saímos do escritório diocesano e nos sentamos na grande mesa que se encontra no salão da Catedral Anglicana de Santa Maria para tomar um café. Faz muito tempo que esse momento do “cafezinho” na Catedral se tornou um espaço terapêutico e espiritual. Muitas pessoas passam por aqui durante o dia, para pedir uma oração, descansar das atividades no centro da cidade, conversar com o deão ou com o bispo, organizar as atividades da semana...

Neste dia estávamos dialogando com um clérigo sobre suas funções no contexto da vida da igreja. Ele encheu sua xícara com um café bem forte feito pelo Afonso, encarregado dos serviços gerais na época. Tomou um gole bem longo e perguntou sem nenhuma relutância ou vergonha: “Onde encontro material sobre anglicanismo?

A pergunta foi um golpe que quase me nocauteou, fiquei algum tempo recuperando a consciência. Passado o efeito inicial do “direto”, fiquei achando que se tratava de uma brincadeira e cheguei até mesmo a esboçar uma risada. Mas, o clérigo insistiu na pergunta. Então, pensei que durante todos esses anos a Igreja Episcopal Anglicana do Brasil talvez não tenha sido eficiente o suficiente na divulgação daquilo que ela desenvolve.

Quando comecei minha caminhada na Igreja Anglicana, isso já faz algum tempo, tínhamos realmente poucos recursos disponíveis. Lembro que todos nós naquele tempo estudávamos história da Igreja em um livro escrito pelo Revdo. Nataniel Duval da Silva publicado pela Ecclesia há muitos anos, chamado “A Igreja Militante”. Eu brincava dizendo que deveríamos tocar no livro sempre usando luvas para que não viéssemos a estragar essa relíquia histórica. Mas, era ali que adquiríamos as primeiras noções sobre o cristianismo na Inglaterra, a Reforma Anglicana, a Igreja Episcopal dos Estados Unidos e o início do trabalho dos estadunidenses nas terras tupiniquins.

Outro livro era clássico nos nossos estudos, “El Anglicanismo”, do bispo inglês Stephen Neill. Nele encontrávamos não apenas a história, mas também uma reflexão sobre a teologia anglicana. Com o amadurecimento da nossa visão crítica fomos percebendo que Neill apresentava uma visão branca e europeia do cristianismo, sem considerar como relevante a cultura local e a presença divina em toda parte, mesmo antes da chegada dos missionários anglo-saxões! Nesta obra liamos em defesa de Henrique VIII que ele não queria o divórcio, porém “una declaración de que, debido a un impedimento canónico, nunca había tenido lugar un verdadero matrimonio”. Nunca entendi a relevância dessa afirmação para um ser humano no século XXI, mas naqueles dias esse tipo de declaração causava frisson entre os seminaristas...

Fora essas duas obras, que eram para nós referências, não restava muita coisa, outros materiais publicados pela Ecclesia e textos estrangeiro... Imaginem que meu inglês era ainda pior do que é hoje, todavia nós pegávamos o Michaelis de bolso (observe que era o de “bolso”) e fazíamos sofridas traduções do vernáculo anglo-saxão. Recordo ainda da alegria que sentimos quando Oswaldo Kickhöfel publicou seu “Notas para uma História da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil”, em 1995. Parecia que o “silêncio profético” havia sido quebrado. Disse numa casa de formação batista com orgulho ingênuo: “Agora não há mais razão para dizer que não conhecemos a Igreja Anglicana no Brasil”.

Todavia, no ano de 1997 o Sínodo da IEAB criou o Centro de Estudos Anglicanos (CEA) como uma instituição articuladora da formação teológica em nosso país. O Centro está subordinado à JUNET (Junta Nacional de Educação Teológica) tendo entre outras atribuições “cuidar da formação permanente do nosso povo e publicar títulos anglicanos em língua portuguesa”. Neste momento, estamos verdadeiramente diante de um divisor de águas.

Sou extremamente suspeito para falar sobre este tema, pois sou integrante das duas entidades: JUNET e CEA. Mas, posso garantir que após essa decisão sinodal as publicações foram surgindo em número significativo, primeiro com as brochuras denominadas “Reflexões”, depois com a “Revista Inclusividade”, mais adiante houve a impressão de diversos livros e a disponibilização virtual de textos na Internet. Atualmente existe um grande esforço em tornar accessível obras da antiga editora Ecclesia. Uma olhada no site do CEA nos mostra a abrangência deste material: anglicanismo, arte sacra, Bíblia e hermenêutica, ecumenismo, ética, história da Igreja, liturgia e espiritualidade, missiologia. E para mim, o aspecto mais relevante do trabalho do Centro de Estudos, a massiva maioria dos textos foram produzidos por brasileiros ou em português. Uma enorme valorização do pensamento anglicana nacional que, asseguro, não fica a dever a nenhuma outra parte do mundo.

Por isso, depois de dezoito anos, a pergunta me leva ao nocaute. “Onde encontro material sobre anglicanismo? ”Somente um café forte para me reanimar. Os textos estão lá disponíveis, basta apenas entrar no site do CEA. Se depois desse tempo todo alguém ainda não sabe, o endereço é: www.centroestudosanglicanos.com.br

+Saulo Barros
Bispo da Diocese Anglicana da Amazônia