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Inácio de Loyola, sacerdote e reformador.

31 de Julhov2

Em 31 de julho relembramos a vida de Inácio de Loyola, um peregrino que soube trilhar os caminhos mais internos de seu coração, descobrindo que Deus transforma todas as coisas e, através de seus exercícios espirituais, convocou a Igreja a uma nova forma de amar e servir a Deus e às pessoas.

No ano de 1521, há exatamente 500 anos, em Pamplona, na Espanha, o soldado Iñigo de Loyola era vencido na última batalha de sua carreira militar e iniciava Vida Nova em Cristo. Uma bala de canhão fez com que a vida do cavaleiro mudasse de rumo, como ele mesmo, em Roma, narrou em sua autobiografia. A bala de canhão comprometeu-lhe a carreira militar, mas abriu-lhe o coração para consagrar-se inteiramente a serviço do Rei Eterno, e assim, mudar a História da Igreja.

Depois de ser gravemente ferido na batalha de Pamplona, o jovem soldado foi levado para a casa de sua cunhada. No castelo dos Loyola, esteve à beira da morte e, mesmo preso ao leito, ainda alimentava desejos de vanglória e combate. Em sua difícil convalescença, como era muito apaixonado por livros sobre romances de cavalaria, Iñigo pedia-os frequentemente. Mas, sua cunhada, fervorosa religiosa, tinha apenas livros sobre a vida de Cristo e das vidas de santos.

Iñigo – que depois adotaria o nome de Inácio - resistiu a lê-los até que não lhe restasse outra opção para passar o tempo. Ao ter acesso a tais livros piedosos, começou a sentir e saborear algo diferente em seu coração: sentimentos nunca antes experimentados, desejos que faziam seu coração arder. Aos poucos, nascia o homem novo, apaixonado por Cristo, peregrino incansável e mestre do discernimento. Naquele leito, morria seu sonho de progredir na carreira militar e conquistar as mãos de uma dama, mas nascia um outro infinitamente maior: o de conquistar o mundo para Cristo.

Neste ano (2021) se comemoram os 500 anos de sua conversão, e este evento de sua conversão foi extremamente importante na história da Igreja. Até os dias de hoje há pessoas que seguem a metodologia inaciana na busca de encontrar-se consigo e com Deus; homens e mulheres que se tornam, como Inácio, contemplativos na ação; inacianas e inacianos membros de ordens religiosas, de associações e movimentos buscam anunciar, em todo o mundo, as heranças intelectuais e espirituais deixadas por ele.

Toda a trama inaciana centra-se na Espanha, entre 1521 e 1527, mais tarde em Paris, até 1535, quando, no país ibero, inúmeras medidas foram aplicadas afim de deter as constantes infiltrações das novidades anunciadas por Lutero naquele país. Acusado de ser “alumbrado” (iluminado), o basco Inácio de Loyola teve que ir a júri por pelo menos quatros vezes na Espanha, duas vezes em Paris, uma vez em Veneza e uma vez em Roma. Este último julgamento foi um processo eclesiástico contra a ordem que ele havia criado, a Companhia de Jesus, quando havia rumores de que os seus seguidores eram pregadores luteranos disfarçados e infiltrados.

Inácio de Loyola, em seu tempo e a seu modo, foi um grande pregador criativo e influente, e é considerado por alguns estudiosos como uma versão possível de reformador para a Ibéria de sua época, que como percebemos era marcada por grande desconfiança em relação a pregações minimamente destoantes daquelas que seguiam um ideal ibérico e principalmente espanhol católico.

Para Murray, historiador da ordem Jesuíta, a ordem fundada por Inácio é marcada pela valorização de princípios e objetivos antecipando o Iluminismo dentro dos limites de possibilidade da Ibéria. Se o Iluminismo trouxe à tona o individualismo como espaço de possibilidade de discernimento intelectual e espiritual, nos escritos de Inácio de Loyola, principalmente os Exercícios Espirituais, é possível perceber que ele sofria com a pergunta existencial pela salvação, e defendia e valorizava a experiência pessoal com Deus.

Se fizermos uma análise, mesmo que trivial da vida de Inácio, veremos que há pelo menos dois aspectos importantes que o identificam com os ideais reformadores: as suas experiências pessoais como via de conhecimento sobre Deus –Inácio, inclusive, diz que é importante um contato direto entre criatura e criador, sem mediações; e a busca por implementar um novo ideal ministerial e pastoral dentro do cristianismo ocidental.

Talvez possamos dizer que em Inácio há a intuição sobre um novo modo de religioso. Ele foi um reformador da vida clerical, um modelo de um novo tipo de piedade e de um novo tipo de sacerdócio, que se por um lado permanece crente na realização imediata da Graça divina por meio da celebração rubricista dos sacramentos, por outro lado foi capaz de inserir no exercício da liturgia e da celebração por parte do ministro ordenado orações oriundas das escolas de mística renana e basca, como por exemplo a composição que lhe é atribuída de famosa oração ainda utilizada no Brasil "alma de Cristo lavai-me, corpo de Cristo santificai-me etc", que acabam funcionando como uma espécie de paraliturgia inserida de modo harmônico na liturgia oficial. Este tipo de criatividade em relação aos formulários litúrgicos, principalmente eucarísticos, na reforma que ocorreu a partir da modernidade são também um traço da reforma inglesa da liturgia iniciada por Cranmer. Se Inácio compôs ou não tal oração é objeto ainda de discussão entre os historiadores e biógrafos do sacerdote basco, mas por certo a utilizava e a inseriu no modo de Celebrar próprio dos jesuítas de sua época.

Inácio, ao contrário de Lutero, foi um reformador que se manteve fiel à instituição romana e papista apesar de certos problemas com a questão da autoridade. Mas ambos tinham respostas diferentes para o problema da autoridade e da consciência. Sobre esta temática o jesuíta Philip Endean, professor do Campion Hall, da Universidade de Oxford, na Inglaterra, afirma que “eles enfrentaram basicamente a mesma questão e com uma intensidade que era bastante nova, decorrente das suas experiências pessoais da misericórdia de Deus". Philip acrescenta ainda que Lutero era uma pessoa muito mais abrasiva, clara e óbvia do que Inácio "Enquanto Inácio podia viver com o cinza, Lutero precisava do preto e branco." Por isto, para Philip, ocorreu a ruptura do movimento de Lutero em relação a Roma, encontre a ordem Jesuíta conseguiu se adaptar às limitações do papismo da época.

Por causa de sua vida intensa e dos vários movimentos interiores que lhe causavam muitas sensações que iam do escrúpulo à consolação, Inácio de Loyola passou por uma crise de culpa intensa, "quase patológica", aliviada pelo entendimento de que é Deus quem redime o ser humano. Nele, isso leva a uma completa transformação do entendimento. Para Inácio, todas as coisas parecem novas.

Que possamos, a exemplo de Inácio de Loyola, ser inspirados a ter a abertura de coração que necessitamos, para receber o Espírito Santo que nos deseja doar a audácia do impossível. O desejo e a urgência do impossível constituem, afinal, o motor de toda e qualquer reforma.

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Daniel Lima, Lábrea – Amazonas, 27 de julho de 2021.